quarta-feira, setembro 22, 2010

Amanhecer


Um dia frio e úmido, dentro toda a espécie de medos e sentimentos. 

Quem estava cinzenta,  era eu!
 Insegura,  fraca, olhos úmidos, respiração ofegante... 
A imagem do cansaço depois de uma noite insone.
 Pensamentos desconexos...
Não sei se o que me afligia era uma clareza louca,  ou uma loucura clara, mas era eu.
Caminhei um pouco pela chuva e, de alguma forma, os pingos tocavam meu rosto, mas atravessavam minh'alma.
A noite cresceu levada pelas águas...
Não podia ficar acordada! 
Cansada, acalentada pelo som dos pingos de chuva na minha janela, adormeci... 
E sonhei.
E o dia entrou pela minha janela.



Álvaro de Campos
 Trapo

    O dia deu em chuvoso.
    A manhã, contudo, esteve bastante azul.
    O dia deu em chuvoso.
    Desde manhã eu estava um pouco triste.
    Antecipação!  Tristeza?  Coisa nenhuma?
    Não sei: já ao acordar estava triste.
    O dia deu em chuvoso.

    Bem sei, a penumbra da chuva é elegante.
    Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
    Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
    Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
    Dêem-me o céu azul e o sol visível.
    Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim.

    Hoje quero só sossego.
    Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
    Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
    Não exageremos!
    Tenho efetivamente sono, sem explicação.
    O dia deu em chuvoso.

    Carinhos?  Afetos?  São memórias...
    É preciso ser-se criança para os ter...
    Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
    O dia deu em chuvoso.

    Boca bonita da filha do caseiro,
    Polpa de fruta de um coração por comer...
    Quando foi isso?  Não sei...
    No azul da manhã...

    O dia deu em chuvoso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário